Em sua homenagem, a Cultura Usada prestigia seus leitores e amigos com artigo do autor, onde seleciona 12 poemas favoritos.
Benedito Nunes
As preferências não elidem o juízo crítico. Os poemas que escolhi são esteticamente autônomos. Diferem pela escrita, pelo tom ou pela atitude perante o mundo e os outros. Prefiro os de menor clicheria verbal, os mais sóbrios e os menos "regionalistas", sem desvalorizar a região ou a cor local como meio de passagem ao universal. Excluo os novidadeiros, os modistas, os domingueiros. As qualidades de linguagem enunciativa de cada qual, a fala em lugar do falatório, condicionam largamente minhas preferências. Enfim, estão aqui doze poetas paraenses distintos, reunidos tão só, malgrado as diferenças de idade, época e escola, tão só pelas suas qualidades afins.
O nativo de câncer (fragmento do poema)
Tessitura do arcano, equipagem noturna,
alva rede balança. Juramento nem lei
a ligam à pátria. Cordas e fronteiras
não a prendem:
alva rede balança. Juramento nem lei
a ligam à pátria. Cordas e fronteiras
não a prendem:
Esta é Tisbe,
onde as pombas adejam ruidosas.
Esta Eleusis,
de Ceres e de Mário a mais amada.
onde as pombas adejam ruidosas.
Esta Eleusis,
de Ceres e de Mário a mais amada.
E, grudado ao negro cabrestame, equinócios
de visgo, luas, peixes, nas quilhas
dessa rede itinerante.
de visgo, luas, peixes, nas quilhas
dessa rede itinerante.
Ó Alcino, sogro e rei, às tuas praias
de perenes lembranças retornei,
pois, se das águas salvo fui um dia,
das voragens do amor não me salvei,
e nessa nau que vês, nutriz de sonhos,
a Óbidos, aos deuses consagrada,
a inupta consorte levarei.
E dois agora somos nesse barco,
mas, se a Circe somarmos somos três.
de perenes lembranças retornei,
pois, se das águas salvo fui um dia,
das voragens do amor não me salvei,
e nessa nau que vês, nutriz de sonhos,
a Óbidos, aos deuses consagrada,
a inupta consorte levarei.
E dois agora somos nesse barco,
mas, se a Circe somarmos somos três.
Ruy Barata (1920-1990), Antilogia. Coletânea de poemas, 2000.
Ode
Os dedos contam as ondas,
os minutos talvez,
jamais o anelo.
os minutos talvez,
jamais o anelo.
Podes marcar a face disfarçada,
a barba,
os bens,
todos os sonhos,
mas escravos do real só te aceitamos
na tua farda de pêlos,
sangue
e ossos.
a barba,
os bens,
todos os sonhos,
mas escravos do real só te aceitamos
na tua farda de pêlos,
sangue
e ossos.
Quando recriarás a trança libertária,
o horizonte do mito,
o Deus negado,
a tela do perene e do intocável?
o horizonte do mito,
o Deus negado,
a tela do perene e do intocável?
Quando libertarás a página e o relógio,
o ser distante que revel condenas
às arestas da ruga e aos frutos sazonados?
o ser distante que revel condenas
às arestas da ruga e aos frutos sazonados?
Quando
(deste olhar em diagonal ao espelho e à morte)
farás ruir ao peso de teu gládio
e ao sulco de teu grito
as taças do não ser,
o veneno da aurora,
as portas do visível,
e do invisível?
(deste olhar em diagonal ao espelho e à morte)
farás ruir ao peso de teu gládio
e ao sulco de teu grito
as taças do não ser,
o veneno da aurora,
as portas do visível,
e do invisível?
Ó jamais seremos sós perante a Fonte,
jamais seremos nós e a ti mostramos
o sorriso de "clown" que se reparte
em contorções de esperma,
tédio,
e ódio.
jamais seremos nós e a ti mostramos
o sorriso de "clown" que se reparte
em contorções de esperma,
tédio,
e ódio.
Jamais conservaremos o perfume e a liturgia,
e a hora que se esvai não justifica
este desabrochar em cálice e corola.
e a hora que se esvai não justifica
este desabrochar em cálice e corola.
Não ser
(embora seja no retrato),
não ter
(para ao flagelo condenar-se),
não sentir o chamar do céu porque beleza
e memória de ausências povoada.
(embora seja no retrato),
não ter
(para ao flagelo condenar-se),
não sentir o chamar do céu porque beleza
e memória de ausências povoada.
Estamos sós,
bem sei,
e como é noite
arrancas o teu mundo no arbitrário,
e a poesia morde o que não é.
bem sei,
e como é noite
arrancas o teu mundo no arbitrário,
e a poesia morde o que não é.
Quem te susteve o braço suicida:
a ode ou o catecismo?
Quem te ligou à sorte deste povo:
o sonho ou a promissória?
Quem te fez espalmar a mão como inocente
e a cabeça baixar como culpado?
a ode ou o catecismo?
Quem te ligou à sorte deste povo:
o sonho ou a promissória?
Quem te fez espalmar a mão como inocente
e a cabeça baixar como culpado?
Ó tempo,
ó dimensão do exílio e da orfandade,
e se não digo eterno,
quase eterno,
deixai toda esperança
"voi che entratte".
ó dimensão do exílio e da orfandade,
e se não digo eterno,
quase eterno,
deixai toda esperança
"voi che entratte".
Ruy Barata, A linha imaginária, 1951.
Canção dos quarenta anos
Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi.
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corri.
pelos dias que vivi.
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corri.
Quarenta anos, quarenta.
Quantos mais inda virão?
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão?
Serei pasto da malária?
Serei presa do avião?
Quantos mais inda virão?
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão?
Serei pasto da malária?
Serei presa do avião?
A morte engendra esperança.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.
Quem pode medir um homem?
Quem pode um homem julgar?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar.
Naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.
Quem pode um homem julgar?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar.
Naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.
Hoje sou. Ontem não era.
Amanhã de quem serei?
Um homem é sempre segredos.
Por qual deles purgarei?
Dos meus netos, qual o neto
em que me repetirei?
Amanhã de quem serei?
Um homem é sempre segredos.
Por qual deles purgarei?
Dos meus netos, qual o neto
em que me repetirei?
Que virtudes foram minhas?
Que pecados confessar?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar?
Ah! Como a vida é ligeira!
Ah! Como o tempo deflui!
Esse espelho não mais fala
da criança que já fui.
Das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui.
Que pecados confessar?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar?
Ah! Como a vida é ligeira!
Ah! Como o tempo deflui!
Esse espelho não mais fala
da criança que já fui.
Das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui.
Quedê rede balançando?
Quedê peixinhos do mar?
Quedê figo da figueira
pro passarinho bicar?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar?
Quedê peixinhos do mar?
Quedê figo da figueira
pro passarinho bicar?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar?
Dezembro chama janeiro.
Fevereiro irá chamar?
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.
Fevereiro irá chamar?
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.
Um homem cresce espalhando
o reino em que foi feliz.
Onde Athos? Porthos?
Onde o tímido Aramis?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.
o reino em que foi feliz.
Onde Athos? Porthos?
Onde o tímido Aramis?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.
Crescer é rima de vida,
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.
E cresço: macho e poeta.
Subo em linha, volto em cor.
Cresço violentamente.
Cresço em rajadas de amor.
Cresço nos filhos crescendo.
Cresço depois que me for.
Subo em linha, volto em cor.
Cresço violentamente.
Cresço em rajadas de amor.
Cresço nos filhos crescendo.
Cresço depois que me for.
Cresço em tempo de eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor.
Cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor.
Cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.
E cresço na aurora livre
galopando esse corcel.
Cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
Cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.
galopando esse corcel.
Cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
Cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.
Quarenta anos, quarenta.
E nem sequer percebi.
Quarenta anos correram
e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
oitenta de amor por ti.
E nem sequer percebi.
Quarenta anos correram
e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
oitenta de amor por ti.
Ruy Barata, Antilogia. Coletânea de poemas, 2000.
Elegia
Por que de estranhas terras eu te acompanho lua solitária
E durmo ouvindo os teus passos de anjo pela noite
Quando os velhos desejos desaparecidos voltam à flor das ondas
E a noite do exílio levanta as suas árvores de sonho,
De um tempo imemorial eu acompanho as tuas viagens,
Tu que vestes os mortos com o que cai do coração dos vivos
Eu te acompanho pelo céu escuro
Sentindo como tua a vertigem da morte que anuncias.
E durmo ouvindo os teus passos de anjo pela noite
Quando os velhos desejos desaparecidos voltam à flor das ondas
E a noite do exílio levanta as suas árvores de sonho,
De um tempo imemorial eu acompanho as tuas viagens,
Tu que vestes os mortos com o que cai do coração dos vivos
Eu te acompanho pelo céu escuro
Sentindo como tua a vertigem da morte que anuncias.
Paulo Plínio Abreu (1921-1959), Poesia.
O comedor de fogo
Veio do comedor de fogo e de seus milagres a esperança impossível.
Do comedor de fogo e de seus milagres à porta de sua tenda
Onde dormiam os cães numa nuvem de moscas.
Veio do comedor de fogo a esperança dos mundos impossíveis.
Veio dessa lembrança hoje apagada pelo tempo o sombrio desejo de evasão.
Veio do comedor de fogo a visão da vida aberta como um grande circo
E o convite irreal para a distância onde se esconde a morte.
Até o amor se perdeu nessa lembrança de um estranho comedor de fogo
E toda a infância confundiu-se com os milagres desse saltimbanco
E de seus cães doentes à porta de sua tenda.
Do comedor de fogo e de seus milagres à porta de sua tenda
Onde dormiam os cães numa nuvem de moscas.
Veio do comedor de fogo a esperança dos mundos impossíveis.
Veio dessa lembrança hoje apagada pelo tempo o sombrio desejo de evasão.
Veio do comedor de fogo a visão da vida aberta como um grande circo
E o convite irreal para a distância onde se esconde a morte.
Até o amor se perdeu nessa lembrança de um estranho comedor de fogo
E toda a infância confundiu-se com os milagres desse saltimbanco
E de seus cães doentes à porta de sua tenda.
Paulo Plínio Abreu, Poesia.
O polichinelo
O seu segredo era como o dos outros.
Seus olhos eram de vidro azul
e na boca vermelha
o riso da ironia.
O humor profundo, amargo e doloroso
vinha de sua boca;
o riso da sabedoria
e do desespero
gritava da sua boca aberta em sangue.
O riso do polichinelo
vinha do coração ausente, era uma advertência.
Era apenas o riso
e falava de um mundo
maior que sua alma.
Seus olhos eram de vidro azul
e na boca vermelha
o riso da ironia.
O humor profundo, amargo e doloroso
vinha de sua boca;
o riso da sabedoria
e do desespero
gritava da sua boca aberta em sangue.
O riso do polichinelo
vinha do coração ausente, era uma advertência.
Era apenas o riso
e falava de um mundo
maior que sua alma.
Paulo Plínio Abreu, Poesia.
Nam sibyllam...
Lá onde um velho corpo desfraldava
As trêmulas imagens de seus anos;
Onde imaturo corpo condenava
Ao canibal solar seus tenros anos;
Lá onde em cada corpo vi gravadas
Lápides eloqüentes de um passado
Ou de um futuro argüido pelos anos;
Lá cândidos leões alvijubados
Às brisas temporais se espedaçavam
Contra as salsas areias sibilantes;
Lá vi o pó do espaço me enrolando
Em turbilhões de peixes e presságios —
Pois na orla do mundo as delatantes
Sombras marinhas, vagas, me apontavam.
As trêmulas imagens de seus anos;
Onde imaturo corpo condenava
Ao canibal solar seus tenros anos;
Lá onde em cada corpo vi gravadas
Lápides eloqüentes de um passado
Ou de um futuro argüido pelos anos;
Lá cândidos leões alvijubados
Às brisas temporais se espedaçavam
Contra as salsas areias sibilantes;
Lá vi o pó do espaço me enrolando
Em turbilhões de peixes e presságios —
Pois na orla do mundo as delatantes
Sombras marinhas, vagas, me apontavam.
Mário Faustino, O Homem e sua hora.
...
Gaivota, vais e voltas,
gaivota, vais – e não voltas.
Somem-se os homens, deixam-se os peixes
ir à deriva –
mal se respira
o ar do mundo
e experimenta-se a voracidade
do mar, do fundo
envenenado:
esperma – e mente,
ira – e sorriso,
esperança – e dança.
Alguém traz a mirra,
traz açafrão, azeite, vinagre:
eis o homem disposto, com suas faixas,
ei-lo em templo deposto, entre seus panos.
Maresia, santidade – que perfume!
Exaure-se a vela de ouro, esgota-se o pavio,
cala-se alguém que não quis beber,
alguém que não quis
o mar, em vão e nada, o árduo mundo,
gota após gota, anos e anos.
Contemplando o poente, os albatrozes
refletem-se nos elmos derrotados.
Alguém canta o refrão. As algas dançam
no mar de vinho amargo. Xerxes, Xerxes,
açoite após açoite.
agora, enfim, é noite
e esvaem-se os navios.
– É esta, então, a Vera Cidade?
– É essa, Adão, a tua verdade?
Alguém não quis viver,
alguém não quis seu fardo, suas rotas,
alguém entre alcatrazes,
entre peixes vorazes, ser disforme –
santo lume nascente, ou heresia?
Um rei entre santelmos –
(pássaro, pássaro, cala-te, dorme,
Lázaro, Lázaro, vai-te, não voltes.)
...
gaivota, vais – e não voltas.
Somem-se os homens, deixam-se os peixes
ir à deriva –
mal se respira
o ar do mundo
e experimenta-se a voracidade
do mar, do fundo
envenenado:
esperma – e mente,
ira – e sorriso,
esperança – e dança.
Alguém traz a mirra,
traz açafrão, azeite, vinagre:
eis o homem disposto, com suas faixas,
ei-lo em templo deposto, entre seus panos.
Maresia, santidade – que perfume!
Exaure-se a vela de ouro, esgota-se o pavio,
cala-se alguém que não quis beber,
alguém que não quis
o mar, em vão e nada, o árduo mundo,
gota após gota, anos e anos.
Contemplando o poente, os albatrozes
refletem-se nos elmos derrotados.
Alguém canta o refrão. As algas dançam
no mar de vinho amargo. Xerxes, Xerxes,
açoite após açoite.
agora, enfim, é noite
e esvaem-se os navios.
– É esta, então, a Vera Cidade?
– É essa, Adão, a tua verdade?
Alguém não quis viver,
alguém não quis seu fardo, suas rotas,
alguém entre alcatrazes,
entre peixes vorazes, ser disforme –
santo lume nascente, ou heresia?
Um rei entre santelmos –
(pássaro, pássaro, cala-te, dorme,
Lázaro, Lázaro, vai-te, não voltes.)
...
Mário Faustino, O Homem e sua hora.
Não me avisaram de teu pouso Para Mário Faustino Quando te vi no início – nas linhas do livro – o sol trabalhava a louça azul esmaltada os pássaros moravam em teus calcanhares e voavas. Quando te vi novamente – no fim do filme – o musgo trabalhava a lousa fria póstuma mas teu epitáfio era legível: A morte tem o peso de um pouso. Paulo Vieira, Infância vegetal. Prece para um carneiro morto Rezemos uma prece em memória do carneiro assassinado antes que a justiça atinja nossas testas com um golpe certeiro e seco do machado dos dias. Paulo Vieira, Infância vegetal. Matéria eterna Hoje deixe tudo o que é breve E te consome os olhos sem sono Perca o caminho do trabalho Reconheça luas e sóis Deixe tudo o que parece eterno mas é breve e cuida de tua matéria (o que parece breve não o é) experimente: retire os sapatos e as meias três quartos com pés de anjo palmilhe o corpo de tua infância vegetal depois repouse os pés na terra cheirosa de tua posteridade e esqueça tudo o que é breve. Paulo Vieira, Infância vegetal. |
CASA-NOITE,
quatro
janelas
janelas
através, um grilo
opera todo o seu ser
composto de arredores – paisagem
e quase só som por dentro
composto de arredores – paisagem
e quase só som por dentro
Entre
norte, sul, leste, oeste, cinco
sentidos quase janelas
abertas ao
sentidos quase janelas
abertas ao
não dito
Alfabeto-Grilo
Antônio Moura, Hong Kong & outros poemas.
Almoço na relva
Do céu fechado
(semi-
círculo)
sobre o
lago
cai verde
uma gota de ave
(semi-
círculo)
sobre o
lago
cai verde
uma gota de ave
– excremento –
abre n'água
círculos
concêntricos
círculos
concêntricos
O lago, outro
círculo
círculo
verde
circundado
por mais verde avermelhado
pelo círculo do sol
poente
circundado
por mais verde avermelhado
pelo círculo do sol
poente
relva onde talo teso gramo
às portas do seu
triângulo jardim
triângulo jardim
Antônio Moura, Hong Kong & outros poemas.
III
Canoeiro. Poeta. A lua
avança, peixe, entre ondas.
Uma via láctea de sílabas
canta em coral com piabas.
Que noite ampara esta clara
ave palavra sem pouso,
que ousa, entre Ursa e a rara
estrela, traçar seu verso?
avança, peixe, entre ondas.
Uma via láctea de sílabas
canta em coral com piabas.
Que noite ampara esta clara
ave palavra sem pouso,
que ousa, entre Ursa e a rara
estrela, traçar seu verso?
Quem faz o texto navega
vaga e refaz tudo o que
desfez em outros começos,
rema entre rumos até
vaga e refaz tudo o que
desfez em outros começos,
rema entre rumos até
que o pêndulo das marés,
nesse relógio primeiro,
resolva parar no tempo
de algum poema, o ponteiro.
nesse relógio primeiro,
resolva parar no tempo
de algum poema, o ponteiro.
João de Jesus Paes Loureiro, O ser aberto.
V
A minha canoa vive
além de mim e da morte.
A forma é sua eternidade.
Língua e linguagem. A sorte.
além de mim e da morte.
A forma é sua eternidade.
Língua e linguagem. A sorte.
Eu sou, enquanto navego,
de seu ego, nave, templo.
A sua razão de ser.
Metáfora do momento.
de seu ego, nave, templo.
A sua razão de ser.
Metáfora do momento.
Oh! Geometria com alma!
Assim é minha canoa...
Boiúna boiando. Vago
lume vago que flutua.
Assim é minha canoa...
Boiúna boiando. Vago
lume vago que flutua.
O que ficará de nós,
além do nada que é nosso:
madeira, quilhas e ossos
cabelo, pedra e verso?
além do nada que é nosso:
madeira, quilhas e ossos
cabelo, pedra e verso?
João de Jesus Paes Loureiro, O ser aberto.
Pai João
Pai João sonolento bambo na pachorra da idade
cisma tempo de ontem.
De olhos vendo o passado recorda o veterano
a vida brasileira que ele viu e gozou e viveu!
Mãe Maria contou que o pai dele era escravo...
Moleque sagica e teso, destro e afoito num rolo,
Pai João teve fama da capoeira e navalhista.
cisma tempo de ontem.
De olhos vendo o passado recorda o veterano
a vida brasileira que ele viu e gozou e viveu!
Mãe Maria contou que o pai dele era escravo...
Moleque sagica e teso, destro e afoito num rolo,
Pai João teve fama da capoeira e navalhista.
– Eita!... era o pé comendo,
quando a banda marcial saía à rua,
com tanto soldado de calça encarnada.
quando a banda marcial saía à rua,
com tanto soldado de calça encarnada.
E rabo-de-arraia, cabeçada na polícia,
xadrez, desordens, furdunço no cortiço
e o ronco e o retumbo do zonzo som molengo do carimbó.
xadrez, desordens, furdunço no cortiço
e o ronco e o retumbo do zonzo som molengo do carimbó.
"Juvená
Juvená!
Juvená!
Arrebate
esta faca
Juvená!
esta faca
Juvená!
Arrebate
esta faca
Juvená!
esta faca
Juvená!
De amores... uma anágua de renda engomada,
um cabeção pulando nos bicos duns peitos,
umas sandálias brancas bem na pontinha dum pé.
um cabeção pulando nos bicos duns peitos,
umas sandálias brancas bem na pontinha dum pé.
E o rebolo bolinante dos quartos roliços da Chica Cheirosa...
E a guerra do Paraguai! Recrutamento!
Gurjão! Osório! Duque de Caxias!
Itororó! Tuiutí! Laguna!
E a guerra do Paraguai! Recrutamento!
Gurjão! Osório! Duque de Caxias!
Itororó! Tuiutí! Laguna!
E não sabia nem o que era monarquia!
... Agora, sonolento o bambo,
tendo em capuchos a trunfa,
Pai João ao recordar a vida brasileira,
que ele viu e gostou e viveu,
diz do Brasil de ontem:
tendo em capuchos a trunfa,
Pai João ao recordar a vida brasileira,
que ele viu e gostou e viveu,
diz do Brasil de ontem:
AH! MEU TEMPO!...
Bruno de Menezes (1893-1963), Batuque.
Batuque
(1) – "Nêga qui tu tem?
– Maribondo Sinhá!
– Nêga qui tu tem?
– Maribondo Sinhá!"
– Maribondo Sinhá!
– Nêga qui tu tem?
– Maribondo Sinhá!"
CANTIGA DE BATUQUE – (MOTIVO)
RUFA o batuque na cadência alucinante
– do jongo do samba na onda que banza.
Desnalgamentos bamboleios sapateios, cirandeios,
cabindas cantando lundús das cubatas.
– do jongo do samba na onda que banza.
Desnalgamentos bamboleios sapateios, cirandeios,
cabindas cantando lundús das cubatas.
Patichoulli cipó-catinga priprioca,
baunilha pau-rosa orisa jasmim.
Gaforinhas riscadas abertas ao meio,
crioulas mulatas gente pixaim...
baunilha pau-rosa orisa jasmim.
Gaforinhas riscadas abertas ao meio,
crioulas mulatas gente pixaim...
(1) – "Nêga qui tu tem?
– Maribondo Sinhá!
– Nêga qui tu tem?
– Maribondo Sinhá!"
– Maribondo Sinhá!
– Nêga qui tu tem?
– Maribondo Sinhá!"
Sudorâncias bunduns mesclam-se intoxicantes
no fartum dos suarentos corpos lisos lustrosos.
Ventres empinam-se no arrojo da umbigada,
as palmas batem o compasso da toada.
no fartum dos suarentos corpos lisos lustrosos.
Ventres empinam-se no arrojo da umbigada,
as palmas batem o compasso da toada.
(2) – "Eu tava na minha roça
maribondo me mordeu!..."
maribondo me mordeu!..."
Ó princesa Isabel! Patrocínio! Nabuco!
Visconde do Rio Branco!
Euzébio de Queiroz!
Visconde do Rio Branco!
Euzébio de Queiroz!
E o batuque batendo e a cantiga cantando
lembram na noite morna a tragédia da raça!
lembram na noite morna a tragédia da raça!
Mãe Preta deu sangue branco a muito "Sinhô moço"...
(3) – "Maribondo no meu corpo!
– Maribondo Sinhá.!"
– Maribondo Sinhá.!"
Roupas de renda a lua lava no terreiro,
um cheiro forte de resinas mandingueiras
vem da floresta e entra nos corpos em requebros.
um cheiro forte de resinas mandingueiras
vem da floresta e entra nos corpos em requebros.
(1) – "Nêga qui tu tem?
– Maribondo num dêxa
– Nêga trabalhá!..."
– Maribondo num dêxa
– Nêga trabalhá!..."
E rola e ronda e ginga e tomba e funga e samba,
a onda que afunda na cadência sensual.
O batuque rebate rufando banseiros,
As carnes retremem na dança carnal!...
a onda que afunda na cadência sensual.
O batuque rebate rufando banseiros,
As carnes retremem na dança carnal!...
(3) – "Maribondo no meu corpo!
– Maribondo Sinhá!
– É por cima é por baxo!
– é por todo lugá!"
– Maribondo Sinhá!
– É por cima é por baxo!
– é por todo lugá!"
Bruno de Menezes, Batuque.
Visita de Santo
Meu S. João,
na noite do vosso dia,
com fogueiras brilhando de alegria,
com alegras cantando num rojão,
parai um pouco na melancolia
do meu portão!
na noite do vosso dia,
com fogueiras brilhando de alegria,
com alegras cantando num rojão,
parai um pouco na melancolia
do meu portão!
Ponde aqui o cordeirinho!...
Sentai no banco a meu lado!...
Sentai no banco a meu lado!...
Tanta estrela no céu, e eu tão sozinho!...
Na terra, tantos sons, e eu tão calado!...
Na terra, tantos sons, e eu tão calado!...
Meu santo bom, por outra noite vossa,
igual a esta (que lembrá-la possa
durante a vida que viver eu vou!...),
mandei-vos, num balão, um sonho lindo
que foi subindo,
foi subindo,
foi subindo,
té que, muito no alto, se queimou...
igual a esta (que lembrá-la possa
durante a vida que viver eu vou!...),
mandei-vos, num balão, um sonho lindo
que foi subindo,
foi subindo,
foi subindo,
té que, muito no alto, se queimou...
Mal de muitos?... Eu sei...
Mas também sei
que nunca mais outro balão soltei.
Nunca mais, nunca mais...
Mas também sei
que nunca mais outro balão soltei.
Nunca mais, nunca mais...
........................................................................
Que brisa fria!...
Lá vem o sol como balão dourado!
Levantai-vos, partis?!... Muito obrigado!
DEUS vos pague no céu, meu S. João,
esta parada na melancolia
do meu portão!...
Levantai-vos, partis?!... Muito obrigado!
DEUS vos pague no céu, meu S. João,
esta parada na melancolia
do meu portão!...
Antonio Tavernard (1908-1936), Místicos e bárbaros.
Última carta
Sobre o leito de morte do poeta, foi
encontrado esse papel cheio de letras
trêmulas e manchado de lágrimas.
encontrado esse papel cheio de letras
trêmulas e manchado de lágrimas.
Por que não me vens ver? Estou doente...
É possível que morra com o luar...
Anda, lá fora, um vento, tristemente,
as ilusões das rosas a esfolhar.
E, aqui dentro, na alcova penumbrada,
onde arquejo, sozinho, sem sequer
a invisível presença abençoada
de um pensamento meigo de mulher,
há o desconsolo imenso, a imensa dor
de alguém que vai morrer sem seu amor...
É possível que morra com o luar...
Anda, lá fora, um vento, tristemente,
as ilusões das rosas a esfolhar.
E, aqui dentro, na alcova penumbrada,
onde arquejo, sozinho, sem sequer
a invisível presença abençoada
de um pensamento meigo de mulher,
há o desconsolo imenso, a imensa dor
de alguém que vai morrer sem seu amor...
De quando em quando,
o coração, que sinto
cada vez mais cansado, se arrastando,
marcando o tempo, recontando as horas,
pergunta-me, num sopro quase extinto,
quando é que virás...
Volta depressa, sim?... Se te demoras,
já não me encontrarás...
o coração, que sinto
cada vez mais cansado, se arrastando,
marcando o tempo, recontando as horas,
pergunta-me, num sopro quase extinto,
quando é que virás...
Volta depressa, sim?... Se te demoras,
já não me encontrarás...
Ouço, longe, a gemer de harpas eólias...
É de febre... Começo a delirar...
É de febre... Começo a delirar...
Desabrocham, no parque, as magnólias...
Vem surgindo o luar...
E, como a luz do luar que vem nascendo,
eu vou aos poucos, meu amor, morrendo...
Vem surgindo o luar...
E, como a luz do luar que vem nascendo,
eu vou aos poucos, meu amor, morrendo...
Antonio Tavernard (1908-1936), Místicos e bárbaros.
A casa
Esta casa é uma ruína,
quase terreno baldio:
coração de minha mãe
– esta terra de ninguém,
está cheio e está vazio.
Esta casa vem abaixo,
está prestes a cair.
Esta casa foi à lua,
esta casa foi um tronco,
foi navio
com seu mar encapelado
e bandeiras em abril
(minha mãe na capitânea,
na janela minha irmã).
Tantos anos se passaram,
tantos sonhos se esgotaram;
minha mãe nos sustentava,
nos amava e costurava
nossa vida à sua alma
como a roupa que vestia.
Esta casa é uma ruína
que dá pena a seus vizinhos.
Sobem ervas nas paredes
desta casa-soledade
encolhida pela vida
que dentro dela cresceu;
esta vida que é poeira
esta vida que é silêncio
esta vida que é fechada
esta vida que é goteira
nesta casa condenada.
Esta casa tinha escada,
esta escada três degraus.
E no último tropeçaram
estes sete filhos seus.
Nesta casa inda ressoa
o pigarro de meu pai
(seu cigarro era uma brasa
nessa noite que o escondeu
de seus filhos tropeçados
nesta vida que os comeu).
Esta casa vai cair!
Veio abaixo nossa vida,
veio a chuva, foi-se o sol;
a lama sobe a escada,
às paredes sobe o limo:
esta casa enlouqueceu!
quase terreno baldio:
coração de minha mãe
– esta terra de ninguém,
está cheio e está vazio.
Esta casa vem abaixo,
está prestes a cair.
Esta casa foi à lua,
esta casa foi um tronco,
foi navio
com seu mar encapelado
e bandeiras em abril
(minha mãe na capitânea,
na janela minha irmã).
Tantos anos se passaram,
tantos sonhos se esgotaram;
minha mãe nos sustentava,
nos amava e costurava
nossa vida à sua alma
como a roupa que vestia.
Esta casa é uma ruína
que dá pena a seus vizinhos.
Sobem ervas nas paredes
desta casa-soledade
encolhida pela vida
que dentro dela cresceu;
esta vida que é poeira
esta vida que é silêncio
esta vida que é fechada
esta vida que é goteira
nesta casa condenada.
Esta casa tinha escada,
esta escada três degraus.
E no último tropeçaram
estes sete filhos seus.
Nesta casa inda ressoa
o pigarro de meu pai
(seu cigarro era uma brasa
nessa noite que o escondeu
de seus filhos tropeçados
nesta vida que os comeu).
Esta casa vai cair!
Veio abaixo nossa vida,
veio a chuva, foi-se o sol;
a lama sobe a escada,
às paredes sobe o limo:
esta casa enlouqueceu!
Nossa mãe se ressequiu.
Sua vida é uma máquina
que de surda enrouqueceu
(único sinal de vida
que a escada não desceu).
Mas é forte esta sua lida,
sua máquina que não pára
que nos cose e nos trabalha.
Sua vida é uma máquina
que de surda enrouqueceu
(único sinal de vida
que a escada não desceu).
Mas é forte esta sua lida,
sua máquina que não pára
que nos cose e nos trabalha.
Max Martins, Não para consolar.
X A tarde era um problema (emblema) a re (sol) VER O parque Um violino com seu arco – armava a ponte-pênsil para o crepúsculo teias fibras, fi(m)lamentos entre sombras, sabres maduros, árvores em silêncio. Idem a Catedral de granito, dura enigmagnetíssima gótica no meio do parque OLHO genitoris ego cêntrico órgão só ave e santo CANTO ergo: Imo D'ego lado: panis ! lado: penis Era a hora do juízo Estendido sobre a grama nu o poeta ruminava a sua semente-alvo Salvo (e insolúvél) Max Martins, Não para consolar. |
Travessia – I (1926-1966)
Existe é homem humano. Travessia.
João Guimarães Rosa
Nasci no mar, dans le bateau
ivre, drapeau d'Arthur, de la muit;
batel fazendo o mapa e o mapa
estas suas águas mágoas,
vagas lembranças, lenços e quebrantos.
– eu era o mar ovante sobre os ombros,
ardendo nas virilhas.
Ou o mar aberto, pulcro de silêncios,
enxame de vidrilhos.
Um bem cevado mar, galhardo moço,
às vezes calmo e desportivo.
ivre, drapeau d'Arthur, de la muit;
batel fazendo o mapa e o mapa
estas suas águas mágoas,
vagas lembranças, lenços e quebrantos.
– eu era o mar ovante sobre os ombros,
ardendo nas virilhas.
Ou o mar aberto, pulcro de silêncios,
enxame de vidrilhos.
Um bem cevado mar, galhardo moço,
às vezes calmo e desportivo.
Canto esta viagem donde trouxe
astros e asas pelos mastros
(e aos seus lamentos eis-me chegado
– piapitum (*) no rio defunto
impaludado).
astros e asas pelos mastros
(e aos seus lamentos eis-me chegado
– piapitum (*) no rio defunto
impaludado).
Max Martins, Não para consolar.
Sou o mundo
Sou o mundo.
O possível é o horizonte...
Criaturas do mar dormem
balançando-se nas ondas.
Ressoam as vagas
na concha do tempo.
Vem.
A promessa pousa
suas asas entre nós.
Navega.
A certeza é o poente.
O possível é o horizonte...
Criaturas do mar dormem
balançando-se nas ondas.
Ressoam as vagas
na concha do tempo.
Vem.
A promessa pousa
suas asas entre nós.
Navega.
A certeza é o poente.
Lilia Silvestre Chaves, E todas as orquestras acenderam a lua.
Amar é esquecer-se para o outro
Amar
é esquecer-se para o outro.
É a procura da alma nos sentidos.
É sentir que a liberdade está perdida,
Nos longes de uma eterna despedida.
é esquecer-se para o outro.
É a procura da alma nos sentidos.
É sentir que a liberdade está perdida,
Nos longes de uma eterna despedida.
Amar
é esperar pelo passado
Que se perde no reverso das estrelas.
E, se a memória do tempo é desventura,
A vida é traço de palavra impura.
é esperar pelo passado
Que se perde no reverso das estrelas.
E, se a memória do tempo é desventura,
A vida é traço de palavra impura.
Lilia Silvestre Chaves, E todas as orquestras acenderam a lua.
Eu temo mesmo que um dia
Eu temo mesmo que um dia,
de tanta melancolia,
torne-me nuvem na alma,
perca-me em tua calma,
dissolva meu desvario
no longe rumo do rio.
de tanta melancolia,
torne-me nuvem na alma,
perca-me em tua calma,
dissolva meu desvario
no longe rumo do rio.
Cuidado com este corpo,
é um desenho já morto,
sem cor, sem vida, vazio.
é um desenho já morto,
sem cor, sem vida, vazio.
Lilia Silvestre Chaves, E todas as orquestras acenderam a lua.
VENDE-SE A casa Foi caiada Há pouco tempo Abriga ainda O mormaço Dos corpos A penumbra Do beijo A ecoar O estio E as estações Nas vigas nos moirões No cercado A violência do sol No quintal O cheirar das horas Verdoengas Reacendendo O tempo Oh tempo! Que as janelas Cantavam E o riso florescia Na casa As vozes E a indulgência do silêncio Jorge Andrade, Em memória da chuva. COTIDIANO É de silêncio o vazio o dia é viril é de açúcar a manga flechada pelo sol e o vento verde a grama umedecida a fome grave greva na boca (é de muro a história) Jorge Andrade, Em memória da chuva. |
A CADELA
Caminhava grave pela casa
a cadela.
A cabeça quieta era sua altivez
quadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,
o mar de ossos, o coração
pardo e lento – caminhava.
a cadela.
A cabeça quieta era sua altivez
quadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,
o mar de ossos, o coração
pardo e lento – caminhava.
A manhã debruçava-se pela janela: cristais no pó,
o púcaro da china, horas de louça
batendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,
secular.
(Domingo dormia
prolongado como um funcionário feriado).
o púcaro da china, horas de louça
batendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,
secular.
(Domingo dormia
prolongado como um funcionário feriado).
Vivera demais. Descansava à sombra,
perto do quarador.
Sonhava farta, invisível,
a cadela azul,
nua
(o sexo velho e molhado,
um caranguejo arcaico sob o rabo).
perto do quarador.
Sonhava farta, invisível,
a cadela azul,
nua
(o sexo velho e molhado,
um caranguejo arcaico sob o rabo).
Dormia, vazia.
Outubro doía longe, na Ásia,
quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".
quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".
Age de Carvalho, Ror.
Epitalâmio
à Martina
[e
assim
assim
se inicia – duplo, orante
o anel que aqui nos unia,
selo e semente celebrados:
o anel que aqui nos unia,
selo e semente celebrados:
um e al, alumbrados
unoutro e ouro
iniciamos a viagem,
tocha ofertada ao escuro,
o carvalho tatuado ao nome
e um Sempre pousado nos lábios
(serpente folheada
entre rosas, o coração
entalhado sob iniciais em chamas)
abençoando a primeira página
do livro,
unoutro e ouro
iniciamos a viagem,
tocha ofertada ao escuro,
o carvalho tatuado ao nome
e um Sempre pousado nos lábios
(serpente folheada
entre rosas, o coração
entalhado sob iniciais em chamas)
abençoando a primeira página
do livro,
"Pelo casamento
e pela nossa aliança"
e pela nossa aliança"
* * *
[...]
[...]
vestido [
[...]
vestido [
[
açafrão [
açafrão [
vestido de púrpu[ra
manto [
guirlandas [
[...]
[...]
manto [
guirlandas [
[...]
[...]
púrp[ura
[...]
[...]
[...]
p [
[...]
[...]
[...]
p [
* * *
(Nas descargas confortáveis da noite,
beijando o rasto luxuoso do rímel
sob estrelas, o fósforo
beijando o rasto luxuoso do rímel
sob estrelas, o fósforo
entre as mãos
apagando as luzes da cidade –
o mundo, velocidades
distanciando-se pelo retrovisor,
ela dizia: [...rapto,
apagando as luzes da cidade –
o mundo, velocidades
distanciando-se pelo retrovisor,
ela dizia: [...rapto,
..] um brilho, sorriso
.. [ ... )
Age de Carvalho, Caveira 41.
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142005000200015&script=sci_arttext
Por hora é só...
Abraços Cordiais!