
Um sebo tem vida própria. Interage com a cidade sem, contudo, misturar-se a ela. É como se, de um modo não-intencional, porém inevitável, se resguardasse do ritmo das ruas, preservando um calendário próprio e autônomo que parece desdenhar dos apelos mais sedutores da modernidade. Entre as suas paredes forradas de estantes abarrotadas com toda a memória de décadas de produção literária, oferece aos seus visitantes um ambiente de aconchego, proporcionando um saudável desligamento temporário da vida exterior. Experiência semelhante, embora menos intensa, à que se tem com a leitura de um bom livro, quando as páginas capturam a nossa atenção, seqüestrando-nos, por alguns momentos, da nossa própria realidade.
Estar num sebo é diferente de estar numa livraria. São ambientes distintos, que não se confundem. Às vezes, um sebo é bem organizado à maneira de uma livraria, com as prateleiras aprumadas e os livros, usados, com aspecto de novos. Outros parecem eleger a bagunça total como marca e, encontrar um título em meio a pilhas e mais pilhas de livros e revistas amontoados sem qualquer critério torna-se quase um suplício. Mas, todos, em geral, ostentam uma inegável atmosfera de informalidade, que convida ao diletantismo e ao relaxamento. Se aventurar por eles é, de repente, se ver cercado por um pedaço da memória escrita, por títulos de ontem e de hoje, que cumpriram uma longa trajetória desde que saíram da gráfica até encontrarem um abrigo naquele espaço democrático. Num sebo, é como se cada livro, revista, enciclopédia, almanaque, tivesse uma história diferente para contar. Umas mais tortuosas, outras mais prosaicas, algumas até tristes (como a de um livro encalhado, despejado do depósito da editora junto com toda a edição, como se fosse entulho sem nenhum valor), mas todas devidamente registradas nas capas e páginas já meio gastas, algumas amassadas ou amareladas, como as rugas que denunciam, nos rostos das pessoas, a passagem do tempo e o acúmulo de experiências.

Imagino que cada freqüentador de sebos tenha uma boa história para contar sobre seus hábitos e suas experiências. Um livro especial reencontrado ao acaso, uma obra marcante descoberta durante uma garimpagem, momentos de total abstração da correria das ruas, uma construtiva troca de idéias com um outro freguês. Isso, sem contar, o enorme prazer que é estar rodeado de livros, num ambiente mais despojado do que o de uma livraria e menos austero do que o de uma biblioteca. Além do mais, o advento dos sebos serve para derrubar automaticamente o principal argumento que pessoas com preguiça de ler costumam oferecer para justificar a sua distância dos livros: o de que eles são caros. Quem conta com sebos por perto, não tem o direito de dar essa desculpa, já que os preços praticados por eles são, na média, para lá de convidativos. Sendo assim, vai a minha sugestão: sempre que tiver chance, reserve um bom par de horas de uma manhã ou de um fim de tarde, caminhe até o sebo mais próximo, vasculhe as estantes sem pressa, leve os exemplares que lhe agradarem e, em seguida, sente-se num café, peça um cappuccino ou um refresco e folheie demoradamente suas mais novas aquisições. Se puder fazer isso na companhia de um bom amigo, melhor ainda. Você verá como, no fim do dia, seu espírito estará mais leve e sua mente mais tranqüila. Uma terapia boa, barata e eficaz que eu venho praticando quase semanalmente, sempre com resultados mais do que surpreendentes.
Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 11/1/2005
Texto original: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1531&titulo=O_discreto_charme_dos_sebos
Por: Regiane Ribeiro
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